quinta-feira, agosto 31, 2006

Pés assentes no chão

Tive dúvidas durante bastante tempo sobre a publicação deste post, até me esqueci dele. Hoje quando o ia apagar, senti que fazia sentido ainda a publicação destas palavras e dos sentimentos a elas associados. Quem as ler que pense para si se valeram os bytes que ocupam, e se achar que deve, critique pois será bem vindo.

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A serenidade tem o condão de chegar nas horas mais apertadas. O aceitar do destino que se apresenta à frente consegue fazer com que o desespero dê lugar ao alívio e por vezes ao sorriso.


Quando era garoto tinha muito tempo livre no Verão e numa dada altura coincidiu com uma edição dos jogos olimpicos. Revisitando as minhas memórias, recordo que a atenção que dedicava às provas dos atletas me permitiu na altura comentar as suas prestações tão bem como os juízes o faziam, e na brincadeira até atribuia notas que variavam muito pouco das reais que os juizes emitiam segundos depois.


Nunca fui um desportista, e nem nunca mantive essa ilusão. Gosto de actividade física, de me colocar à prova, mas não de competir. A competição impõe contornos demasiadamente sérios e graves a coisas que deveríamos estar a fazer apenas porque gostamos.


Participei naquelas iniciativas escolares em que se fazem algumas provas de corrida e outras, e numa delas, fiquei em último, tendo tido 2 ou 3 elementos a desistir, o que me colocou na referida posição. Na altura não soube porque teimei em concluir o percurso, apesar dos comentários dos colegas. Hoje sei. Nem todos podem ser os melhores. A maioria das pessoas talvez seja boa em 2 ou 3 assuntos, sendo razoável noutros tantos e medíocre em muitas das solicitações que lhes surgem durante a vida. Então não sendo bom na corrida, porque quis eu concluir, ficando em ultimo lugar? Muito simples: metas pessoais. Podemos até nem conseguir concluir a tarefa em mãos, mas se essa é uma meta pessoal que temos, devemos de a levar tão longe quanto possível. Hoje vivo novamente uma situação semelhante. Com o fim do prazo para a apresentação do projecto à vista e sem qualquer esperança de que um milagre possa resolver a situação, tenho a felicidade de me encontrar numa equipa que mesmo sabendo que vai acabar em ultimo, continua a correr enquanto for possível.


Parti para esta prova numa posição desfavorável, mas mesmo assim abracei o projecto. Corri o mais possível com os meus colegas, enquanto pude e dei o contributo que consegui. Creio que já ninguém é louco a ponto de acreditar num final feliz. Mas esta forja acabou por mostrar a fibra de muita gente, garra e dedicação. A aprendizagem aqui produzida e o know-how gerado vai ser desmembrado e acabar por dispersar-se. Nunca se sabe onde e em que condições nos venhamos a reecontrar, mas para já, sinto-me grato pela oportunidade que recebi, e pelos colegas que trabalharam a meu lado. Algumas vezes terei sido menos correcto com eles, ou eles comigo, mas no final do dia fazemos um reset e temos de conseguir funcionar em conjunto com eles novamente.


Encontrei grandiosidade para lá das minhas espectativas em cada um deles. Verifiquei que cada um de nós deu o seu máximo dentro da medida do possível, o que conquistou o meu respeito, apesar de reconhecer que não mostro essa gratidão a todos os instantes. É a minha veia militar a latejar que muitas vezes cria alguns atritos. Já lá vão 10 anos e ainda não consigo ser completamente civil. Mas isso também não é grave. Sou como sou, e aceitar isso é atingir a serenidade necessária para aos poucos fazer os ajustes que forem possíveis.


A vida ainda não me trouxe um ponto de apoio onde aplicar a alavanca e poder mover o meu mundo na direcção certa. Acumulo experiências, salto em frente e vou tentando levar um dia de cada vez. Tentando porque uma caracteristica minha é a de calcular o somatório desses dias de tempos a tempos.


Estou a precisar de férias. Tenho receio de que o Inferno conquistado possa voltar a surgir à minha frente, e eu não tenho a menor intenção de repetir o que já se encontra no Passado. Por isso tive a necessidade de levantar o véu perante a minha chefia e mostrar que cheguei ao meu limite. Não me é possível continuar na frente de batalha e garantir a mesma eficácia que eu já dei noutras situações.


É uma pena que no final desta jornada, a equipa que finalmente está a formar-se se venha a perder. Quando um colega me afirmava constantemente que eramos uma equipa, eu sempre lhe disse que não. Não passávamos de um grupo de pessoas, descoordenadas e sem unidade. Hoje, depois de sermos postos à prova no fogo real, estamos a atingir esse patamar.


As pessoas precisam de conhecer os seus limites e os dos colegas com quem trabalham. Necessitam de ter a possibilidade de berrar, espernear, incomodarem-se uns aos outros. É aí que se descobre quem somos realmente. Quando voltamos atrás e pedimos desculpa pelas explosões que tivemos, pelo nosso mau génio, pela forma como stressamos quem nos rodeou. Afinal, todos queríamos o mesmo, mas por caminhos diferentes.


Na vida nunca chegamos a saber nada com 100% de certeza. Vamos passando pelos anos com pontos de vista mais ou menos esclarecidos sobre o que nos rodeia. É importante que sejamos capazes de rever o que julgamos arrumado. Se quisermos ver a vida a preto e branco as coisas raramente recebem a importância que realmente merecem.


Creio que já é mais que evidente que sinto orgulho nos meus colegas. Longe da perfeição, cada um deles acrescentou alguma coisa de positivo a este esforço colectivo. Pode ser ensombrado, mas não deixa de merecer ser celebrado este resultado. Propusemo-nos ao impossível. Embarcámos numa loucura. Demos o melhor e não conseguimos, mas de tudo isto surgiu um conjunto de bravos que muito farão por si e pelos outros no Futuro. Tenho a certeza que cada um de nós recordará estes tempos duros com saudade daqui a uns anos. E todos saberemos porque corremos até ao fim, mesmo com a certeza de chegar em ultimo lugar.

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