quarta-feira, março 29, 2006

Eclipse


Hoje segundo as vozes de quem percebe do assunto, existiu um eclipe total num país para lá do cu de Judas, sendo que em Portugal mal se deu pela coisa a não ser para quem andou de nariz no ar. Eu como tive mais que fazer, nem dei por tal.


Chegado a casa, depois de todas as tretas rotineiras que se fazem no fim de um dia de trabalho, ao escrever isto acabei por me lembrar que existem mais tipos de eclipses.


O tipo de eclipses que surgem quando temos o nosso juízo obscurecido por problemas do dia a dia, por preconceitos, por teimosias, orgulhos e parvoices no geral.


Naturalmente que uns assumem um carácter mais grave do que os outros, já que se uns acarretam consequências de pouca ou nenhuma gravidade, outros podem conduzir a consequências imprevisiveis. Vamos a exemplos.


Não querer comer um determinado prato porque contêm um ingrediente que nunca provámos mas que temos a certeza que não gostamos. Consequência: Não ficar a conhecer uma possível especialidade gastronómica.


Não ir ver o filme que está na berra porque num papel secundário está um actor que aparece 5 segundos, nem diz nada, mas cuja visão do respectivo trombil nos provoca nauseas. Consequência: Possibilidade de perder um clássico numa altura em que o dito filme ainda é fervilhante tema de conversa durante as horas de pausa no trabalho, enquanto os colegas fumam um café e bebem o cigarro.


Não comparecer a um evento na hora de triunfo de um amigo porque vai estar presente alguém que odiamos de morte. Se a reencarnação existisse e voltassemos ao mundo na forma de cão, despejaríamos o conteúdo da bexiga com frequência nas rodas do carro de tal figura, ou se possível na perna. Consequência: Deixamos de estar com alguém que é para nós muito importante, de festejar um momento especial na vida dessa pessoa, coisa que muito facilmente promove um afastamento que depois custa mais a voltar atrás, essencialmente por orgulho.

Não ajudar um amigo na hora que mais precisa porque achamos que temos uma coisa mais importante para fazer. Consequência: Possivel perda de uma amizade. No mínimo a relação regride e com fortes possibilidades de nunca vir a recuperar.


Os exemplos poderiam prosseguir, mas não vejo a necessidade de continuar a fazê-lo. Vistas de fora estas situações podem ter o seu quê de ridículas, mas existem efectivamente, e até chegam a ser comuns. Podemos por vezes sacrificar demasiado por causa de ninharias.


A idade trás destas coisas, a capacidade de engolir sapos, desde que não sejam tão grandes que fiquem com as patas a espernear do lado de fora. É preciso ver, que engolir sapos pressupõe ser capaz de os engolir de facto. Daí que certos sacrifícios fazem-se, outros não.


Temos limites e quando tais limites são ultrapassados, estamos perante situações que cruzaram as fronteiras da dignidade e do respeito. Se de um lado encontramos a estupidez, do outro é a preservação da nossa auto-estima, do respeito por nós próprios. Delinear essa fronteira é muitas vezes complicado, e o traçado costuma até ser subjectivo. Há sempre quem não concorde conosco quando tomamos uma posição de força e batemos o pé, afirmando que é demais e que dalí não passa. O Futuro revela-nos por vezes se estivemos certos ou errados.


Como se diz por aí, não custa viver, custa é saber viver. A vida é portanto feita de escolhas, uma sucessão de trocas. Essas escolhas são muitas vezes eclipsadas por vários factores, e quer tenhamos consciência da sua existência como tal ou não, certo é que somos humanos, frágeis e falíveis. Erramos mais vezes do que gostaríamos. Torna-se necessário saber perdoar.


É sempre mais fácil avaliar uma situação quando estamos fora dela. Quando um amigo desabafa conosco, é-nos mais fácil de encontrar uma solução do que se o problema for nosso e estivermos imersos nele. Da mesma forma temos mais facilidade em perdoar os erros dos outros do que os nossos, e é precisamente um dos maiores erros que cometemos.


Não nos livramos da responsabilidade das nossas escolhas. Eclipsados ou não, temos de as fazer com frequência no decorrer das nossas vidas. Decidir em que instantes estamos a ser injustos ou apenas a proteger o nosso espaço, dignidade e auto-estima. Os eclipses ocorrem, uns evidentes, e outros (perdoem-me a redundância), eclipsados. Mas mesmo no escuro, nunca estaremos completamente errados se as nossas escolhas tiverem por base o amor e o respeito, por nós e pelos outros. Porque na escuridão dos olhos, brilha uma luz frágil mas importante.

2 comentários:

Anónimo disse...

Parece que as palavras saíram da tua cabeça, caíram no papael e se foram encaixando umas nas outras, com a mesma leveza e facilidade com que me deliciei a lê-las........Beijo, continua......
Lena

Sunshine disse...

A vida é composta de decisões sem garantias e não tomar uma decisão em si já é uma decisão tomada... Hoje em dia as pessoas preoculpam-se demasiada com o que os outros pensam. E embora devemos de ter sempre consideração com o proximo ao tomar as nossas decisões, a base deverá sempre ser principalmente o nosso crescimento pessoal por qual somos somente responsáveis.